Desde o início da pandemia temos testemunhado acontecimentos que nos causam um acúmulo de tristeza, indignação e, de quebra, aumentam o descrédito em relação ao futuro da democracia, não só no Brasil, mas em boa parte do mundo.
Com novos escândalos e posicionamentos absurdos a cada dia, a tendência é nos esquecermos dos acontecimentos anteriores. É preciso fazer um esforço extremamente desconfortável para relembrar alguns fatos que deixaram pontas soltas até hoje.
Farra com dinheiro público, economias quebram e China decola
Lembremos que os governos de vários estados “festejaram” a necessidade de respiradores, pois esse foi o pretexto ideal para fazerem uma verdadeira farra com o dinheiro dos pagadores de impostos. Segundo o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário, “o valor pago por unidade variou de R$ 28 mil, o mais barato, até R$ 367 mil, o mais caro. Uma diferença de preço treze vezes maior entre um valor e outro.” Muitos desses aparelhos não chegaram a ser entregues e dentre os que foram, várias unidades nem sequer eram adequadas ao tratamento da Covid-19.
Também fomos testemunhas de que, enquanto a economia da maior parte do mundo sucumbia – e ainda sucumbe – por conta das imposições de lockdown, o PIB da China, epicentro da pandemia, decolou. Apenas com a exportação de máscaras, a China faturou mais de US$ 71 bilhões em apenas seis meses, o que representa a soma de toda exportação de soja, carne bovina e açúcar do Brasil no mesmo período.
Desencontro de informações, politização e banho de hipocrisia
E por falar em máscara, será que já esquecemos das informações desencontradas sobre os tipos adequados? Será que já não lembramos mais de que a Organização Mundial de Saúde (OMS) inicialmente desencorajou o uso, dizendo que eram desnecessárias? Depois, voltando atrás, informou que apenas as cirúrgicas eram eficazes, o que causou uma corrida que ameaçou deixar os profissionais de saúde sem EPIs. Mais adiante voltou atrás mais uma vez e declarou que as de tecido triplo atendiam as necessidades, depois as de tecido duplo também serviam e, por fim, liberou geral e hoje em dia qualquer uma é melhor do que nenhuma.
Tivemos também a politização em torno da cloroquina, com direito a iniciação de estudos, cancelamento de estudos, retomada de estudos... Divergências entre a classe médica existem até hoje, o que é totalmente aceitável visto que há diferentes metodologias, mas nós, brasileiros, fomos além: tivemos médico que publicamente se posicionou contra, mas ao contrair a doença, privadamente receitou o medicamento a si mesmo.
Há meses convivemos com a onipresença das regras #fiqueemcasa e #usemáscara ao mesmo tempo que temos visto seus mais ferrenhos embaixadores descumprindo as próprias ordens. Caso de ex-ministro da saúde jogando sinuca em bar e mais recentemente flagrado na praia, aproveitando o verão. E também tivemos governador decretando lockdown e, em seguida, saindo de férias para curtir Miami e fazer comprinhas em loja de grife. Em ambos os casos os protagonistas estavam – obviamente – fora de casa e – curiosamente – sem máscara.
Manipulação de informações, instauração do medo e democracia em perigo
Também testemunhamos a Constituição sendo rasgada diversas vezes, mas aparentemente muita gente não vê o menor problema nisso. O toque de recolher – estratégia usada pelos nazistas por mais de dez anos contra os judeus – é uma demonstração clara de desrespeito à Carta Magna, pois a única possibilidade permitida é mediante estado de sítio – não em calamidade pública, como é o caso de uma pandemia – e sua decretação só pode ser feita pelo presidente da República. Além disso, não há qualquer explicação científica que endosse a medida.
E por falar em ciência, ouvimos um médico e Secretário Estadual da Saúde dizer que “não é hora de sermos tão cientistas como estamos sendo agora, porque o mundo está sendo cientista, mas está respeitando a vida, ele já está vacinando”. E disse mais: “nós temos que seguir critérios de segurança, mas iniciar a vacinação.” E a pergunta é: como seguir critérios de segurança antes de cumprir os critérios de segurança? Em que mundo é mais seguro trocar os pneus de um veículo em movimento?
Na contramão da fala que afirma que “o mundo já está vacinando”, eis os fatos: dos 193 países existentes, 46 estão vacinando, segundo a OMS, o que representa menos de 25%, e a soma de vacinados até o momento é de 28 milhões de pessoas, o que representa menos de meio porcento da população mundial.
E aí vem o biólogo do Apocalipse e publica matéria com título e subtítulo que deixariam Joseph Goebbels – o ministro da propaganda de Hitler – extremamente orgulhoso: “Autoritarismo necessário – Ou será preciso calar as vozes antivacina ou tornar a vacina compulsória.” O autor cita um trecho do livro Como funciona o Fascismo que diz: “para que escolhas sejam realmente livres, quem escolhe precisa ser bem informado.” Será que ele se refere a informações “de qualidade” como as que ele trouxe a público, afirmando em entrevista ao canal MyNews, que o Brasil teria três milhões de mortes por Covid-19? A “boa informação” foi tão absurda que ele mesmo solicitou ao canal que o trecho fosse retirado do vídeo. Vale registrar que, no momento, o número de mortes por Codiv-19 no mundo é de 1.998.290, que corresponde a 2,14% do número de infectados.
Chegamos ao ponto de que questionar aqueles que se autointitulam donos da verdade absoluta atrai represálias, cancelamentos e rótulos como genocida, fascista e por aí vai. A nova ordem é “não pense, apenas obedeça”. As escolhas já não são livres porque há quem tenha decretado que não somos mais capazes de escolher.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.