Olivier Schutter, relator da ONU
Heinrich Böll Stiftung/WikicommonsQualquer pessoa com noções mínimas de economia poderia prever que a suspensão drástica das atividades comerciais em razão da pandemia do novo coronavírus aumentaria consideravelmente a pobreza ao redor do mundo. Já é possível detectar essa realidade, porém, Olivier Schutter, relator da ONU, afirma que "as piores consequências da crise sobre a pobreza ainda vão chegar".
Segundo informações do relatório bienal “Montando o Quebra-Cabeça da Pobreza”, do Banco Mundial, quase metade da população do planeta vive em situação de pobreza o que, em 2018, representava 3,4 bilhões de pessoas com renda inferior a 5,50 dólares por dia (menos de 30 reais). E 26,2% da população mundial (cerca de 1,84 bilhão de pessoas) vivem abaixo da linha da pobreza, com renda inferior a 3,20 dólares por dia (cerca de R$ 17). As previsões do relator são de que esse número aumente em até 176 milhões, fazendo com que a população abaixo da linha da pobreza ultrapasse os 2 bilhões de pessoas.
Para atenuar os efeitos da pandemia, Schutter fez um apelo para que os programas de ajuda aos mais pobres sejam reforçados e alcancem os mais vulneráveis e que líderes mundiais se guiem “pelos princípios dos direitos humanos”. O que o relator não disse foi como fazer isso em países da América Latina e Caribe – regiões mais afetadas pela pobreza – que já estão com a economia à beira do colapso.
Para muitos, soa bem simples injetar dinheiro na economia e fazê-lo chegar às mãos dos mais necessitados, porém, medidas como essa – que parecem ser a solução para erradicar a pobreza – costumam ser as que justamente prejudicam os mais pobres. Pode parecer complicado de entender, mas na verdade é bem simples. Vamos usar o aumento vertiginoso dos alimentos como exemplo.
Ao injetar bilhões de reais por meio do auxílio emergencial, a busca por produtos da cesta básica cresceu. O conceito da oferta e da procura é o que estabelece os preços de mercado e, enquanto oferta é a quantidade do produto disponível, procura é o interesse em relação ao mesmo. Aumenta o interesse sem que haja aumento de produção, o preço aumenta.
Fretes mais caros, dólar nas alturas e crescimento da procura por produtos da cesta básica são uma equação perfeita para que a inflação no bolso dos mais pobres seja muito maior do que no bolso dos mais ricos. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aponta inflação oficial de 0,24% em agosto, a inflação real no bolso de quem consome arroz, por exemplo, passou dos 20%.
Se considerarmos outros aumentos, como o do feijão, do óleo de soja, do leite e da energia elétrica, fica ainda mais fácil compreender porque a inflação oficial é totalmente diferente da real e, ao mesmo tempo, perceber que a perda do poder de compra dos ricos é muito menor que a dos pobres. É preciso entender que só o trabalho gera riqueza e que dinheiro tem apenas valor representativo. Colocar mais moeda em circulação sem permitir que as pessoas trabalhem para produzir riqueza real é prejudicar os mais necessitados. E, como foi declarado pela própria OMS, teremos mais mortos pela fome do que pela covid-19.
O Brasil precisa de um plano de gestão a longo prazo e não de programas políticos que mudam a cada quatro anos. Mais do que nunca a população deveria estar unida para enfrentar a crise que está por vir, pois esse é o maior inimigo de todos. Porém, o que a mídia e os partidos políticos têm feito é um trabalho incessante para disseminar divisões pautadas em picuinhas identitárias. Dias difíceis sobrevirão a todos e, certamente, seria mais inteligente enfrenta-los unindo forças e não dividindo a nação.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.
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