Tenho pensado ultimamente sobre o quanto a corrupção está enraizada em nossa sociedade e, ao mesmo tempo, o quanto nos acostumamos a conviver com ela sem nem ao menos questionarmos de onde isso vem e para onde vai nos levar.
Acredito piamente que nenhum corrupto se acha corrupto, pois sempre há “um bom motivo” por trás de seus atos ilegais. E assim, se eximindo da culpa e contando com uma rede de apoio que aceita o inaceitável – por também ter suas próprias justificativas – os corruptos ganham terreno e gozam de liberdade para agir.
Lembro-me de quando descobri que um ex-chefe estava defraudando a empresa e recebendo reembolsos de despesas que nunca haviam sido feitas. Cabia a mim receber as notas fiscais de restaurantes, postos de gasolina e gastos com viagem, preencher um formulário e, mais tarde, retirar o dinheiro no departamento financeiro. Ele recebia, guardava na carteira e seguia com a vida.
No início parecia tudo certo, pois as notas de restaurante batiam com a agenda de almoços de negócios e as despesas de gasolina eram compatíveis ao trajeto que ele fazia normalmente. Mas, depois de ver que o processo era bastante simples e rápido, meu ex-chefe teve a ideia de se valer desse expediente para resolver alguns “problemas pessoais”. Com isso, as notas que vinham uma vez por semana passaram a ser muito mais frequentes, a ponto de ficar claro que se tratava de uma fraude. Afinal, quem almoça e janta quatro vezes por dia ou coloca 120 litros de combustível toda vez que enche o tanque de um carro com capacidade para 70? O dinheiro do reembolso já não cabia mais na carteira e eu passei a entregar em um envelope A4.
Depois de juntar provas durante algumas semanas, denunciei sua conduta ao superintendente da empresa que, por sua vez, me agradeceu e prometeu tomar providências. Mas mal sabia eu que havia acabado de entregar o ouro para o maior de todos os bandidos. Fui demitida no dia seguinte e me deparei com a maior decepção profissional da minha vida até então. Aos vinte e poucos anos eu não entendia como aquilo podia ter acontecido se eu havia feito a coisa certa. Mas logo em seguida veio a segunda maior decepção: os conselhos que recebi de quem ficou sabendo da história.
“Da próxima vez você deixa de ser idiota e para de se meter onde não deve!”
“Por acaso o dinheiro era seu? Ficasse calada e você estaria trabalhando!”
“Viu só o que você ganhou querendo bancar a ‘certinha’? O mundo é dos espertos e você foi bem burra!”
“Vamos ver se na próxima vez você aprende a jogar o jogo!”
A questão é que ninguém faz nada sozinho e para que a corrupção aconteça sempre há uma rede de apoio que permite que ela se perpetue. Processo, sistema, mecanismo, seja o nome que for, algo muito maior sustenta todo esse emaranhado de injustiças que acaba por enlear a todos nós. Aprendi bem cedo que quem não aceita as regras desse jogo, perde. Mas também aprendi que há coisas que valem a pena ser perdidas e que nada no mundo vale mais do que uma consciência limpa.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.