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Análise: Quando a ficção dá dicas sobre a realidade

Análises sistemáticas sobre a influência da mídia e da cultura concluem que é possível direcionar opiniões

Patricia Lages|Do R7

O conceito de indústria cultural surgiu na obra Dialética do Esclarecimento, dos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, em 1947. Um dos objetivos dessa indústria que envolve diversos meios de comunicação em larga escala seria a dominação das massas de uma forma tão sutil que, além de não perceberem que estão sendo manipuladas, seriam divulgadoras, fãs e apoiadoras de quem as subjuga.

Para Adorno e Horkheimer, a mídia molda e direciona opiniões de forma autoritária quando, por exemplo, produz programas idênticos em emissoras diferentes. Segundo essa análise, a onda de “mais do mesmo” não existiria por acaso, mas, sim, para difundir o pensamento que se quer implantar.

Seria algo como a célebre cena do suéter azul, do filme O Diabo Veste Prada, na qual Miranda Priestly, a poderosa editora da revista Runway, explica a sua assistente quanto ela é influenciável, enquanto acredita ter o poder de fazer as próprias escolhas:

"Você acha que nada aqui tem a ver com você. Você vai até o seu armário e escolhe esse suéter horroroso porque está tentando dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que vai vestir. Mas o que você não sabe é que a cor desse suéter não é um simples azul. Não é turquesa, não é lápis-lazúli. É azul cerúleo. Você ignora o fato de que, em 2002, Oscar de la Renta fez uma coleção de vestidos azuis cerúleo e que Yves Saint Laurent fez jaquetas militares azuis cerúleo. E então o cerúleo apareceu em coleções de outros oitenta estilistas, foi para as lojas de departamentos e acabou em lojas populares, onde você, sem dúvida, comprou esse numa liquidação... Você pensa que fez uma escolha que a exime da indústria da moda quando, na verdade, está usando um suéter escolhido para você pelas pessoas que estão nesta sala."

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Mais recentemente, a série britânica Suspicion (Suspeita) conta a história da magnata das comunicações Katherine Newman, interpretada por Uma Thurman, cujo filho é sequestrado em um hotel de luxo, em Nova York. O resgate não envolve dinheiro, mas, sim, que a empresária conte a verdade.

No último capítulo da primeira temporada, Newman cede às pressões e vai a público contar a verdade para reaver seu filho. Seu discurso é, no mínimo, intrigante, principalmente para a época que estamos vivendo:

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“Criamos toda uma estratégia de desinformação para proteger os interesses de nossos clientes. Encomendamos relatórios de cientistas menores, construímos uma comunidade inteira de especialistas altamente visíveis e todos tiveram apenas um briefing: enfatizar as incertezas em torno das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, para minimizar os danos, no caso de o relatório do professor [que contém a verdade que tentavam esconder] chegar ao domínio público, tentamos desacreditá-lo. Fizemos isso construindo uma sugestão de que ele tinha relacionamentos inadequados com mulheres jovens. Isso não estava enfatizando a incerteza, isso era uma mentira. O professor não fez nada de errado profissionalmente ou pessoalmente. Nós fizemos. Eu fiz. O pior de tudo, e descobri isso agora, é que, quando desmentimos o professor, desmentimos toda a ciência. E as repercussões disso podem ser muito mais prejudiciais do que as mudanças climáticas, porque nós desmentimos os fatos, criamos uma dúvida onde não havia, e ajudamos a criar uma cultura em que ninguém acredita em nada, nem no que está debaixo do nosso nariz, porque o que uma pessoa diz é tão verdade quanto o que qualquer um diz: que a mentira não existe. A verdade é que talvez essa seja a maior mentira de todas. A gente não só ajudou a fazer com que as pessoas duvidassem da verdade, ajudamos a fazê-las duvidar de que ela existia. E, por isso, e por tantas outras coisas, eu sinto muitíssimo.”

Qualquer semelhança com a realidade seria mera coincidência?

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