A cegueira causada pela carência e a escuridão dos relacionamentos
PixabayDepois de uma semana extremamente cansativa de trabalho, eu e meu marido nos sentamos à mesa de um de nossos restaurantes favoritos para um “momento eu mereço”. É verdade que nos aborrecemos um pouco por causa da fila de espera, mas estávamos confiantes em que aquele pequeno sacrifício valeria a pena.
A atmosfera tranquila que os restaurantes japoneses costumam ter, especialmente aquele, nos fez respirar fundo assim que nos sentamos. Porém, dois minutos depois, o casal da mesa ao lado deu início a um diálogo que quebrou toda a magia do local (e o nosso sossego).
Sem se preocupar com o fato de os clientes estarem ouvindo a conversa, o casal discute em voz alta sobre o futuro do relacionamento. Ela reclama que ele só tem tempo para os “amigos idiotas” e que não lhe dá a devida atenção. Ele a manda calar a boca e comer porque uma “morta de fome” como ela tinha mais é que aproveitar a comida cara que ele estava pagando.
Ela ameaça se levantar e ir embora, enquanto ele diz que duvida que ela perca a chance de uma “boca-livre” daquelas. Ela permanece onde está e limita-se a chamá-lo de grosso e estúpido e a ameaçá-lo: “Vou fazer você passar muita vergonha”. Ele dá de ombros, olha o celular e ri, o que faz com que ela o xingue ainda mais.
Depois de mandá-la novamente calar a boca, ele conta a novidade: “Meu pai disse que vai me dar o ‘apê’, sua besta! Mas ele quer que você vá morar comigo para cuidar, limpar, deixar tudo direitinho”. Ela abre um sorriso largo e, incrédula, diz: “Nossa! Você quer morar comigo? Nunca pensei que você quisesse uma coisa séria assim! Então, a gente tá noivo!” Ele zomba, a chama de “brega” e diz que não está noivo de ninguém. Ela ignora, pega o celular e declama: “A gente tá noivo, sim! Vou contar pra minha mãe!”.
A cegueira causada pela carência fez aquela moça sair do restaurante achando que estava noiva quando, na verdade, estava mais para empregada doméstica sem direito a salário. A carência dissolve o amor-próprio e o autorrespeito, fazendo com que as pessoas aceitem permanecer em relacionamentos abusivos, desequilibrados e destrutivos, sem nem mesmo se darem conta.
Tive vontade de reclamar por não termos tido a refeição tranquila que esperávamos, mas, diante de tudo o que testemunhei, preferi agradecer por não vivermos daquela forma. E o melhor agradecimento que posso dar é jogar luz sobre o assunto na esperança de que, pelo menos uma pessoa, possa sair dessa escuridão.
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