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Análise: Propostas do governo de SP parecem “O Cortiço” da vida real

Obra literária do século XIX parece ser a inspiração de João Dória que, ao estilo João Romão, faz de tudo para se apropriar do título que almeja

Patricia Lages|

Governador João Doria em coletiva sobre o novo coronavírus
Governador João Doria em coletiva sobre o novo coronavírus Governador João Doria em coletiva sobre o novo coronavírus

O romance O Cortiço, de 1890, é uma das principais obras do maranhense Aluísio de Azevedo, escritor responsável pela inauguração do Naturalismo no Brasil. Nela, destaca-se o personagem João Romão, um português ambicioso que faz de tudo para enriquecer e obter o título de barão. Em sua saga rumo ao poder, Romão não se incomoda em explorar os outros, mas sempre faz isso como se os estivesse ajudando.

Romão é dono da pedreira, da taverna e do cortiço, empreendimentos que formam um ciclo de total dependência de seus empregados-clientes-inquilinos. Os pobres desempregados e famintos que chegam até ele, recebem a “solução” para todos os seus problemas: alugam uma das habitações de seu cortiço, compram fiado em sua taverna e, mais tarde, pagam por tudo isso trabalhando em sua pedreira.

Com o objetivo de garantir sua ascensão, João Romão mantém seus subalternos sob um rígido controle. Ele define os salários em sua pedreira­, vende os produtos de sua taverna – a quem quer e por quanto quer – e decide quem fica e quem deixa seu cortiço que, obviamente, tem os valores dos aluguéis definidos por ele mesmo.

Enquanto isso, outro João, o Doria, implementa algo parecido, mas ainda pior, no Estado de São Paulo. Ele decide quem pode ou não sair de casa, quem pode ou não trabalhar e quanto alguns receberão mensalmente para colocar comida na mesa. Mas essa gente é ingrata e fica fazendo perguntas bobas, do tipo: sem trabalho, como vamos nos sustentar?

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Parece que esse povo não sabe que João, o gestor, anunciou R$ 225 milhões em crédito para estimular a economia. Esses recursos estarão à disposição de quem está com seu negócio fechado, mesmo que outros estejam abertos. A questão é saber como pagar por um dinheiro concedido a juros enquanto não se trabalha e nem se tem ideia de quando se voltará a trabalhar. E agora também questionam o que são R$ 225 milhões perto dos R$ 35 bilhões que o comércio perde a cada 30 dias. Essa gente quer tudo...

Mas há mais perguntas bobas para atrapalhar a vida de João, o trabalhador. As pessoas querem saber como vão pagar o aluguel. Ingratos! Não sabem que a ordem “fique em casa” é para o seu próprio bem? Aproveitem enquanto têm um teto sobre a cabeça porque depois da avalanche de despejos que está por vir, vocês vão se arrepender de não terem aproveitado enquanto podiam! 

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Porém, infelizmente, o povo não se cala e insiste em aborrecer João, o gestor. Agora vêm com a história de que não dá para sustentar os filhos sem comida na mesa. Bobinhos... a solução é muito simples: quem tem filhos que faziam uma única refeição por dia nas escolas de Doria – que estão fechadas sem previsão de retorno – basta aderir ao programa Merenda em Casa, para receber 55 reais por mês. É claro que fica por conta dos pais se virarem para alimentar uma criança com R$ 1,83 por dia. Não dá nem para macarrão instantâneo, mas melhor pingar do que faltar, não é mesmo?

Quando o povo não tiver trabalho para pagar suas dívidas, nem comida e nem casa, quem sabe o Doria não faz igual ao Romão e nos oferece trabalho em sua pedreira, comida a crédito em sua taverna e uma casa alugada nesse enorme cortiço que São Paulo vai se tornar? Ainda poderemos vender a João nossa força de trabalho, pelo preço que ele quiser pagar, afinal de contas, será graças a ele que estaremos vivos...

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