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Análise: Nunca foi ciência, sempre foi interesse

O governo de São Paulo, que sempre afirmou seguir e respeitar a ciência, mudou o tom assim que ciência deixou de ser conveniente

Patricia Lages|Do R7

Governador de SP briga, sim, contra a ciência
Governador de SP briga, sim, contra a ciência Governador de SP briga, sim, contra a ciência (Amanda Perobelli/Reuters - 07.01.2021)

Chega a ser inacreditável o nível de cinismo que alguns políticos apresentam em suas declarações. Se ouvir suas narrativas – que mudam frequentemente conforme seus interesses – já é de deixar qualquer um enjoado, ver suas feições enquanto falam é tarefa para quem tem o estômago muito, mas muito forte.

Em 17 de abril, ao prorrogar a quarentena, o governador de São Paulo, João Doria, justificou a medida declarando que “Aqui nós não brigamos com a ciência”. Porém, quando a ciência vai contra sua soberana vontade, ele briga sim. E muito.

Agora, a nova frase que o governo paulista espera que as pessoas saiam repetindo cegamente – assim como fizeram com “a economia a gente vê depois” – é “não é hora de sermos tão cientistas como estamos sendo agora.” A pérola é de autoria do secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, que diz mais: “O mundo está sendo cientista, mas ele está respeitando a vida, ele já está vacinando. Nós temos que seguir critérios de segurança, mas iniciar a vacinação.” É... nós temos que seguir critérios de segurança, desde que não atrapalhem os interesses do governo.

A verdade é que, dos mais de 193 países do mundo, apenas quatro estão utilizando a nebulosa CoronaVac, vacina chinesa que não é a primeira escolha nem na própria China, que tem optado pelo laboratório estatal Sinopharm. O governo faz uma ginástica linguística afirmando que o “respeito à vida” deve ser posto acima da ciência, pelo simples fato de não poder basear a pressa de seus interesses na ciência. A ciência não muda conforme interesses, o que muda são as narrativas.

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Sobre a apresentação da documentação necessária à Anvisa para aprovação da vacina chinesa, a agência confirma que houve reunião no último dia 7 com integrantes do Instituto Butantan, mas que não houve formalização para o pedido de análise e liberação do uso emergencial.

Na reunião foram apresentadas informações sobre a vacina e dados de eficácia e segurança em formato PowerPoint. Porém, segundo a Anvisa, esse tipo de apresentação é apenas uma “pré-submissão”, prática utilizada em todo o mundo: “A reunião de pré-submissão é uma estratégia que segue a prática de outras autoridades regulatórias do mundo”, diz a nota e acrescenta: “Os representantes do Instituto afirmaram que vão agendar nova reunião para prosseguir no detalhamento das informações.”

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O governo paulista tem provado e comprovado a cada dia que suas narrativas diferem – e muito – de suas atitudes. Enquanto o governador-salvador justifica o corte de 12% das verbas destinadas a hospitais – em plena pandemia – dizendo que trata-se de “manter a austeridade nos gastos”, amplia em quase 70% sua verba de publicidade. Segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA), a previsão de gastos deste ano é de R$ 153,2 milhões, contra os R$ 90,7 milhões de 2020. Prioridade é tudo, afinal, a propaganda é a alma do negócio, não é mesmo?

E então, será que é mesmo a ciência que fundamenta esse tipo de medida? Ah, não, espere! Quase me esqueço de que não é hora de sermos tão cientistas...

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Autora

Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.

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