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Análise: “Gourmetização” de produtos comuns para justificar preços altíssimos

Preguiça generalizada assola planos de negócio e publicidade que, em vez de novas propostas, apenas “gourmetiza” as velhas

Patricia Lages|Do R7

Até as varandas dos apartamentos se tornaram gourmets
Até as varandas dos apartamentos se tornaram gourmets Até as varandas dos apartamentos se tornaram gourmets

O que fazer quando as vendas caem, mas não há criatividade (nem vontade) para trazer propostas novas ou aperfeiçoar as funções de coisas que usamos no nosso dia a dia? Simples: basta “gourmetizar” o que já existe, tendo como maior aliada a falta de senso crítico do consumidor.

As opções vão desde adicionar a palavra “gourmet” a tudo e qualquer coisa, como: brigadeiro gourmet, pipoca gourmet, pamonha de Piracicaba gourmet; até criar aqueles nomes longos que as pessoas adoram decorar e recitar como se soubessem do que estão falando; ou, ainda, citar localidades distantes como se os produtos tivessem vindo de lá, como o sal rosa do Himalaia. Sem mencionar que até as pamonhas de Piracicaba raramente vêm de lá, mesmo as gourmet. Enfim…

Por curiosidade, perguntei o que havia de diferente no tal brigadeiro gourmet e a resposta foi: “Temos sabores ‘diferenciados’ como paçoca, morango e leite em pó”. Ou seja, além de não ser mais brigadeiro, ainda usavam ingredientes mais baratos do que um bom chocolate.

Quanto à pipoca, a “gourmetização” ficava por conta de ser “temperada com sal rosa do Himalaia” em cujo rótulo constava “made in Brazil”. O preço era apenas quatro vezes mais que o do milho estourado comum com sal branco, sendo nada mais do que milho estourado comum com sal rosa. Ambos vindos das nossas salinas mesmo.

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Mas há que dar o braço a torcer, afinal, existe uma certa genialidade em convencer as pessoas a pagarem muito mais para receberem exatamente o mesmo enquanto creem que estão adquirindo algo altamente especial. Quer dizer, especial não, gourmet.

Como apoiadora e disseminadora do empreendedorismo, tenho visto que é preciso lembrar as pessoas o tempo todo de que o básico jamais pode ser deixado de lado: a verdade. Se você diz que há diferencial, tem de haver, verdadeiramente, diferencial. Mas a questão é que esse tipo de coisa dá trabalho, então, não costuma ter boa aceitação. É cru demais, não é gourmet e ainda vem sem sal.

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E, para minha surpresa — sim, eu ainda me surpreendo —–, eis que me deparo com um “novo produto”: uma talha de cerâmica com um filtro plástico embutido e uma torneira de metal (ou melhor, um “dispenser”) para servir. O produto promete proezas incríveis, como “filtrar a água”, deixá-la “sem gostos ou odores” e ainda por cima “livre de cloro”.

Mas é claro que o filtro de barro gourmet exigiria um nome pomposo misturando português, inglês e a junção de palavras formando um termo que, no fundo, ninguém sabe o que significa. Mas quem se importa? O resultado da “gourmetização” da talha de barro — que é usada no Brasil há mais de um século — é um “produto inovador” que custa quase R$ 3.000.

E assim seguimos rumo a um futuro inovador: comprando brigadeiros que nem sequer são brigadeiros, pagando caro por produtos produzidos no bairro vizinho achando que vêm do outro lado do mundo e bebendo água purificada por métodos ultramodernos, igualzinho aos nossos bisavós. Quem diria que chegaríamos tão longe!

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