Quem já teve a covid-19 ou acompanhou o caso de parentes e amigos, sabe bem que quem testa positivo, ainda que apresentando sintomas, recebe a informação de que não existe tratamento e que a única coisa a fazer é ficar em casa e esperar passar. Somente em caso de piora, preferencialmente com falta de ar, é que o doente deve procurar um hospital. Mas, como no Brasil existe duplo padrão para tudo, esse protocolo que dizem ser igual para todos, obviamente não é.
Durante essa pandemia já vimos de tudo: ex-ministro da Saúde fotografado várias vezes em aglomerações e sem máscara; governador trancando o estado e indo fazer comprinhas em Miami, sem máscara; deputada esbravejando contra quem não segue rigorosamente os protocolos de segurança, mas sendo filmada em festa, abraçando, beijando e sem máscara; médico demonizando medicamento que receitou para si mesmo quando infectado; ex-presidente dando graças pela existência do coronavírus e por aí vai. A lista de sandices é extensa e, ao que parece, ainda teremos muito mais pela frente.
A mais nova é a “internação preventiva” protagonizada pelo senador tucano José Serra. Depois de imunizado com duas doses da vacina, Serra testou positivo e, mesmo sem apresentar nenhum sintoma, está internado desde a última terça-feira (22) no Hospital Sírio Libanês. Segundo nota divulgada pela assessoria do senador, “sua hospitalização é preventiva e para realização de exames, e garante também a segurança de familiares e pessoas próximas ainda não vacinadas”.
Se para a imensa maioria da população não existe nem sequer a possibilidade de discussão sobre qualquer tipo de tratamento preventivo – até porque leito para todos nunca houve, nem mesmo antes da pandemia –, para os políticos brasileiros existe até internação preventiva, inclusive para garantir a segurança de terceiros.
Definitivamente há vários países diferentes dentro do Brasil. Temos desde a república das fantasias, onde todos são instruídos a lavar as mãos e usar álcool gel, fingindo que o fato de metade da população não ter saneamento básico não existe, até o país das maravilhas, onde uns poucos privilegiados podem se internar em um dos melhores hospitais de São Paulo, apenas por “precaução”, como se fosse um hotel ou um spa.
Parece que o “novo normal” pós pandemia trouxe a ampliação do uso do duplo padrão – que sempre existiu, mas agora circula livremente, e sem máscara – e da hipocrisia, afinal, está aí a prova de que nem todas as vidas importam. Só algumas.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.