Quanto à corrupção e aos desmandos do poder político, que cede aos seus próprios interesses e aos de grandes corporações, não há o que discutir. Temos mais exemplos reais do que qualquer nação poderia ter, além do que, a cada dia nos surpreendendo com as manobras que aqueles que se julgam “donos” do país são capazes de fazer. Mas o objetivo desta análise é outro.
O que quero trazer à reflexão são os exercícios de micropoder que grande parte da população exerce desde sempre e que afetam a nossa vida cotidiana de forma prejudicial. Tratam-se de pessoas comuns, como eu e você, que foram investidas de certa autoridade – ainda que micro ou nano – e que a utilizam para atrasar a vida de outras.
São os atendentes de SAC que passam informações diferentes a cada chamada, que não prestam a menor atenção ao que você diz, mas que, imbuídos de seus micropoderes, resolvem fazê-lo de bobo. É o porteiro do edifício que faz você esperar à toa, até que ele tenha vontade de avisar a quem de direito que você está aguardando. É o motorista de ônibus que decide não parar ao seu sinal, simplesmente para sentir a satisfação que seu micropoder lhe proporciona. É o funcionário da repartição pública que nem se dá ao trabalho de fingir estar ocupado e que, quando finalmente se dispõe a atender, manda você voltar outro dia trazendo um documento totalmente desnecessário.
O Brasil costumava ser um país de pessoas gentis, hospitaleiras e que se ajudavam mutuamente. Ainda consigo lembrar de ter vivido em um país em que havia empatia, educação e cordialidade. Quando entrávamos em uma loja éramos recebidos com um sorriso, mesmo que movido pelo interesse de vender. Hoje em dia, nem isso. A impressão que dá é que sempre estamos atrapalhando quem deveria nos atender bem.
Essas práticas odiosas nos fazem perder tempo, energia, paciência, dinheiro, oportunidades e até mesmo a fé de que futuramente as coisas irão melhorar nesse sentido. Devido à sua frequência, o exercício mal-empregado de micropoder ganha macroproporções, pois consegue atrasar a vida de um número imenso de pessoas todos os dias, fazendo a roda do progresso ficar a cada dia um pouco mais emperrada. E, como sempre, quem mais sofre prejuízos são as pessoas mais simples e com menos acesso à informação.
Ações dessa natureza devem ser denunciadas, reportadas e sob nenhum ponto de vista, aceitas. É o tipo de coisa que não vai mudar se não exigirmos mudança. Pode estar certo de que é muito menos trabalhoso exigir que seus direitos se cumpram do que viver em uma sociedade onde os direitos só existem no papel. É como diz o ditado: se cada um varrer a sua calçada, a rua inteira ficará limpa.
Patricia Lages
É jornalista internacional, tendo atuado na Argentina, Inglaterra e Israel. É autora de cinco best-sellers de finanças e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. Ministra cursos e palestras, tendo se apresentado no evento “Success, the only choice” na Universidade Harvard (2014). Na TV, apresenta os quadros "Economia doméstica" no programa "Mulheres" TV Gazeta e "Economia a Dois" na Escola do Amor, Record TV. No YouTube mantém o canal "Patrícia Lages - Dicas de Economia", com vídeos todas as segundas e quartas.