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Análise: Em sociedade hipócrita, vidas humanas não importam

Cachorro morto em hipermercado ganha monumento, criança morta em carro alegórico é ignorada e Carnaval segue normalmente

Patricia Lages|Do R7

Raquel, de 11 anos, morreu devido a acidente com carro alegórico
Raquel, de 11 anos, morreu devido a acidente com carro alegórico Raquel, de 11 anos, morreu devido a acidente com carro alegórico

Nos últimos anos testemunhamos uma discussão sem fim em torno do BLM X ALM, ou seja, Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) versus All Lives Matter (Todas as Vidas Importam). Mas a verdade é que, em sociedades cada vez mais hipócritas, nenhuma vida humana importa.

O cachorro Manchinha, morto pelo segurança de um hipermercado em Osasco, região da Grande São Paulo, ganhou repercussão nacional. O espancamento seguido de envenenamento gerou uma comoção tal que incluiu a criação de centenas (se não milhares) de ilustrações em homenagem ao cãozinho com asas de anjo e auréola — muitas feitas por artistas renomados —, o boicote às lojas da rede e até manifestações que cobram providências.

Manchinha foi morto em dezembro de 2018 e, quase três anos depois, em novembro de 2021, o cão ganhou uma homenagem digna de celebridade: um monumento. A inauguração da imagem, que fica no Pet Parque da cidade, também contou com ampla cobertura jornalística.

Já a menina Raquel Antunes da Silva, de 11 anos, não recebeu a mesma atenção. Ela teve as pernas esmagadas junto a um poste quando estava em um carro alegórico nas proximidades da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Raquel sofreu traumatismo no tórax, apresentou hemorragia interna e teve uma parada cardiorrespiratória durante a cirurgia de amputação de uma das pernas.

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Após 36 horas de internação no CTI pediátrico do Hospital Souza Aguiar, respirando por aparelhos e correndo o risco de perder a outra perna, ela não resistiu. A menina foi enterrada no último sábado (23), enquanto o Carnaval seguia normalmente na Sapucaí.

Se para Manchinha houve manifestações populares, comoção nacional, boicote, cobrança de providências e até monumento anos depois de sua morte, para Raquel o tratamento foi bem diferente. Não houve ilustrações com asas e auréola angelical viralizando na internet, nenhuma manifestação de grandes proporções — apenas uma passeata com baixa adesão na Comunidade São Carlos, onde a menina morava — e, obviamente, nenhum boicote à folia, que ocorreu como se nada tivesse acontecido.

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Dificilmente a morte de Raquel fará qualquer diferença em uma sociedade de valores invertidos. Afinal de contas, foi só mais uma menina da periferia carioca cuja mãe, segundo comentários nas redes sociais, “deveria ter cuidado melhor” em vez de tê-la “largado na rua”.

A morte de Raquel deixa mais uma enorme mancha (não apenas uma manchinha) na história de uma sociedade em que nenhuma vida importa. A não ser a dos anjinhos de quatro patas, claro.

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