É estupidez nos dividirmos pela cor da nossa pele
Christina Morillo/PexelsEu era chefe de redação de três veículos de comunicação diferentes, com uma responsabilidade enorme, muita gente para administrar, mas bem poucos com quem eu realmente podia contar. Entre quase uma centena de pessoas, achei apenas três colaboradores com potencial de crescimento. Duas mulheres e um homem, cujas escolhas se deram exclusivamente por mérito.
Chamei os três separadamente e, pela falta de tempo, a conversa foi bem direta: “Você é o novo editor-chefe e eu espero não menos do que 100% de comprometimento. Na próxima reunião de pauta, informo sua equipe.” Dois deles ficaram felizes, agradeceram e saíram da sala contendo os ânimos para não dar bandeira.
Já a terceira teve um comportamento completamente diferente. Em vez de alegria, seu rosto expressava um desapontamento desconcertante para quem estava do outro lado da mesa, no caso, eu. “Você entendeu o que eu disse? Por que essa cara?”, perguntei. “Patricia, eu agradeço o reconhecimento pelo meu trabalho, mas vou recusar. A direção não vai permitir que eu chefie coisa alguma. Eu sou negra, esqueceu?”
Incrédula com a recusa, respondi: “E eu não sou cega, esqueceu? E daí que você é negra? Vá fazer o seu trabalho e pare com essa bobagem! Eu disse 100% de comprometimento e você me vem com essa?” Ela me olhou fixamente e, pela primeira vez na vida, uma pessoa que eu havia acabado de promover estava chorando. Confesso que fiquei sem ação e não consegui dizer uma palavra sequer. Percebendo o clima, ela enxugou as lágrimas e disse: “A direção nunca vai permitir que uma negra seja chefe. Eu fui a primeira da família a ter um diploma de ensino superior e isso já me basta. Obrigada de qualquer forma.”
Senti um calor subindo e tive certeza de que estava um pimentão de raiva. Com os dentes serrados respondi sílaba a sílaba, igual uma mãe que está se segurando para não estapear o filho: “eu-vou-a-nun-ci-ar-a-de-ci-são-na-re-u-ni-ão-de-pa-u-ta. Vá trabalhar!” Ela foi uma tremenda editora-chefe, mas levou tempo para deixar de se vitimizar. Não foi um processo fácil e tive de repetir várias vezes – entredentes – “e daí que você é negra? E-da-í?”
É uma estupidez nos dividirmos o tempo todo e é ridículo dizer “eu sou negro” ou “eu sou branco”. E daí? No que isso importa? Nós não somos peças de roupa para sermos divididos por cor para que o armário fique organizado. Racismo existe? Sim, existe, não sejamos hipócritas. Mas deveríamos nos enxergar pelo que realmente somos: pessoas, não importa o gênero, não importa a cor, não importa nenhum tipo de classificação.
Porém, na contramão do bom senso, inúmeros movimentos estão trabalhando fortemente para nos dividir apontando diferenças, formando guetos e nos distraindo com coisas que não deveriam importar. Se todos esquecerem das diferenças perceberão o óbvio: que somos todos humanos, portanto, somos todos iguais. Que aquilo que nos une seja maior do que aquilo que insistem em usar para nos separar.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.
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