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Análise: desistência é a mais nova virtude

Atletas olímpicos sempre inspiraram multidões com histórias de superação, mas hoje temos o culto à desistência

Patricia Lages|Do R7

A ginasta Simone Biles desistiu de seguir competindo na Olimpíada de Tóquio
A ginasta Simone Biles desistiu de seguir competindo na Olimpíada de Tóquio A ginasta Simone Biles desistiu de seguir competindo na Olimpíada de Tóquio

Aos cinco anos de idade, tive meu primeiro contato com a ginástica artística no centro esportivo da prefeitura perto de casa. Eu era bastante medrosa em se tratando de atividades nas quais poderia me machucar, mas foi lá que comecei a entender que tudo na vida tem um jeito certo de se fazer e que a disciplina é capaz de nos ajudar a enfrentar medos e nos tornarmos mais fortes.

Ver as meninas mais velhas (com 8 ou 9 anos) saltando sem medo e com uma flexibilidade incrível me fez desejar ser como elas e, logo cedo, entendi que alcançar essa meta dependia muito mais de mim do que de qualquer outra coisa ou pessoa. O esporte tem essa característica de mostrar, na prática, que a meritocracia nos leva a superar nossos próprios limites e a sermos pessoas mais capazes.

Por conta da situação de pobreza em que vivíamos, mesmo sendo gratuito, não pude continuar a frequentar o centro esportivo, pois minha mãe precisava trabalhar e eu a acompanhava. Nos deixar com terceiros nunca foi uma opção para ela. Logo, minha carreira como ginasta nem sequer começou, mas as coisas positivas que aprendi permanecem até hoje, entre elas, não desistir até alcançar o que desejo.

Para mim, assistir apresentações de ginástica sempre foi um prazer. A sensação de ver pela primeira vez um Duplo Twist Carpado foi incrível, mas saber que o salto ficou conhecido como “Dos Santos” – por ter sido executado pela primeira vez pela brasileira Daiane dos Santos – trouxe um sabor ainda mais especial.

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Esta semana, um dos maiores nomes da modalidade, a americana Simone Biles, desistiu de disputar a final individual por conta de pressões psicológicas. Biles já fez muito por seu país, pois só nos Jogos do Rio de 2016, conquistou cinco medalhas, sendo quatro de ouro. É um esporte que se começa muito cedo e que exige muito de quem o pratica. Não há dúvida de que o peso da responsabilidade sobre os ombros de meninas tão novas – algumas ainda crianças – é enorme, porém, sempre foi assim.

Os Estados Unidos têm uma estrutura sólida que proporciona o melhor aos seus atletas, tanto em questões de tecnologia e equipamentos, como também em acompanhamentos médico e psicológico, coisa que a maioria dos países não tem. O Brasil, por exemplo, costuma conhecer seus atletas depois de alcançarem grandes conquistas, raramente antes, como o caso de Ítalo Ferreira, ouro no surfe em Tóquio, e de Rayssa Leal, medalha de prata no skate.

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Apesar de que a atitude de Biles é compreensível por uma série de motivos, não parece plausível tratar a desistência como a mais nova virtude. É claro que a nota divulgada pela federação americana tem o papel de apoiar sua atleta em um momento difícil, porém, colocá-la como modelo de “coragem” e “bravura” é passar do ponto.

Simone Biles não está bem, como ela mesma deixou claro, e precisa que seu país – pelo qual tanto se sacrificou – a apoie e torça por sua recuperação. Mas se esse comportamento servir de exemplo para outras atletas ou mesmo para outras adolescentes, seja na área que for, o objetivo maior do esporte – a inspiração para a superação – acabará se perdendo. Desistência não é o mesmo que coragem, portanto, tratá-la como virtude é corroborar com mais uma tentativa de inversão de valores.

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