Ler 1984 hoje em dia chega a dar a impressão de que estamos diante do jornal de amanhã. Na obra publicada em 1949, Orwell conta a história de Winston Smith, um funcionário do Ministério da Verdade que acaba se rebelando contra a total dominação do Estado sobre os cidadãos de Oceânia.
O controle estatal era tão grande que nem mesmo a forma de pensar era livre, embora a população não tivesse consciência disso. Por meio da substituição de palavras, pouco a pouco foi sendo construída a Novafala, um idioma com o objetivo de manipular o pensamento dos cidadãos e torná-los ainda mais fáceis de serem subjugados.
Uma das palavras da Novafala é o “duplipensar”, que significa a possibilidade de aceitar e considerar corretos pensamentos totalmente opostos. Tudo era fluido, a começar pelo slogan do Partido: “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.” E, finalmente, quando a Novafala estivesse 100% consolidada, expressões contrárias ao que ela determinava seriam proibidas.
Não é tão diferente assim do que vemos atualmente. Veja o novo termo “lugar de fala” que, até um tempo atrás, proibia, por exemplo, que brancos se referissem a negros. Mas agora a coisa parece que piorou, pois nem mesmo os negros podem se expressar livremente quando sua opinião é contrária, a exemplo da jornalista Glória Maria, que sofreu um bombardeio ao criticar o politicamente correto, dizendo: “Eu acho tudo isso um saco. Hoje tudo é racismo, preconceito e assédio”.
E o que dizer do “Miniver”, o Ministério da Verdade onde Winston Smith trabalhava? O departamento tinha a função de retificar as notícias e declarar, segundo seus próprios interesses, o que era verdade e o que não. E, ao fazê-lo, propagava mentiras como sendo verdades absolutas, afinal de contas, quem iria contrariar os “checadores” oficiais? Qualquer semelhança ao que temos visto hoje em dia não me parece mera coincidência.
Para muitos, trocar palavras como obrigado e obrigada por “obrigade” ou “obrigadx” não parece nada de mais. Aliás, quem faz isso ganha o direito de ser elogiado por sua adesão à tolerância e à diversidade. E o contrário também vale, pois quem não abre mão do bom senso e continua seguindo as regras lógicas da Língua Portuguesa se torna alvo de uma série de agressões e xingamentos. Trata-se do “ódio do bem”, quando é permitido ofender e até mesmo desejar a morte de quem não concorda com a esquizofrenia linguística e com os demais devaneios de quem parece estar com muito tempo livre.
Lugar de fala é o novo “cale a boca” e “ódio do bem” virou salvo-conduto para que apenas uma parte das pessoas possa fazer o que quiser, enquanto a outra deve ter seus direitos cancelados. É preciso não ceder a esse tipo de imposição e lembrar que o grande irmão está de olho em todos nós.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.