Apesar de todas as conquistas femininas no mercado de trabalho, a diferença entre homens e mulheres na cozinha profissional ainda é muito acentuada. Esse é o caso da professora Jarlene Ferreira, docente da Faculdade Anhanguera, que já passou por 12 longos anos convivendo com chefs e estabelecimentos que não a valorizavam de forma equivalente a um profissional homem, causando impactos tanto na sua vida financeira, quanto em sua carreira e saúde mental.
"Para nós, mulheres, é difícil lidar com a autoridade numa cozinha profissional, tendo em vista que geralmente os chefs são homens e não há um respeito geral conosco. Até mesmo nos impor como profissional e especialista é complicado, leva mais tempo do que deveria", conta Jarlene.
"Eu exerci o cargo de cozinheira e auxiliar por muitos anos, o que me gerou uma barreira para ter reconhecimento atualmente. Além disso, a pressão relacionada ao poder dentro da cozinha profissional também é frequente e, em alguns casos, ainda sofremos assédio", continua ela.
Menos estrelas Michelin
De acordo com os dados do Guia Michelin de 2018, renomada publicação francesa que aponta os melhores restaurantes de cada ano, mulheres foram responsáveis por apenas 5% de todas as estrelas Michelin do mundo.
E, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mencionado no livro Fominismo: quando o machismo se senta à mesa, de Nora Bouazzouni, as mulheres constituem por volta de 43% da mão-de-obra agrícola no mundo, mas representam menos de 20% dos proprietários fundiários de terra.
Mais do que trazer luz à situação, é necessária a implementação de práticas que mudem essa realidade. "Além de trazer mais mulheres para as empresas, nós também precisamos de mais oportunidades para crescer dentro das organizações e exercer cargos de chefes de cozinhas, gastrônomas, como líder e linha de frente. Isso é o começo para nos destacarmos entre os profissionais homens", diz Jarlene.
Além disso, a professora acredita que o incentivo à mulher a fazer cursos e estudar cada vez mais pode ajudar a classe feminina a alcançar melhores posições. "Hoje, na Faculdade Anhanguera de Itaquera, onde sou docente, dentre todos os alunos matriculados no curso de gastronomia, 54% são mulheres, o que é um dado muito gratificante para nós, porque vemos que há um equilíbrio", afirma ela.
Quebrando o padrão histórico
Isso é, em partes, explicado pela própria história da gastronomia, cujos reflexos se fazem presentes até hoje. Desde os primórdios, a estrutura imposta pela sociedade era a de uma família patriarcal, sendo o homem o trabalhador e membro principal dentro de casa e a mulher a cuidadora do lar.
Sendo assim, o homem era visto nas cozinhas profissionais porque tinha mais força física para aguentar o trabalho pesado, era o responsável em dar ordens e assumir os cargos de liderança. Enquanto isso, a mulher era vista como a responsável apenas pelo trabalho na cozinha doméstica, ficando restrita a esse espaço.
Apesar dos percalços, Jarlene finaliza com uma palavra de incentivo para quem almeja atuar na área: "Para os futuros gastrônomos, é importante estar preparado para constantes desafios e mudanças, que são muitas no mundo da gastronomia. Conseguir se adaptar em diferentes ambientes vai fazer com que o processo seja mais leve."
*Estagiária do R7, sob supervisão de Luciana Mastrorosa