Rafael (o segundo, da esquerda para a direita) e seus companheiros de trabalho
Arquivo PessoalRafael Chaves Pereira já tinha feito duas faculdades, um curso de aviação civil, enfrentado um câncer de testículo, sofrido uma demissão por causa disso e se tornado pai de Davi quando descobriu que sua condição de vida o colocava dentro do espectro autista. Ele foi diagnosticado com Síndrome de Asperger em outubro de 2020, mês em que completou 31 anos de idade.
Mas, antes, disseram que ele tinha TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e sua família acreditou nisso. "Eu era muito arredio. Não obedecia, sempre tive muita dificuldade em seguir regras. Ao mesmo tempo, tinha muita facilidade com a música e interesse por avião", relembra Rafael sobre sua infância.
O diagnóstico correto foi possível graças ao olhar atento e à insistência de sua esposa, a jornalista Silvia Helena Pereira Chaves, que sempre observou comportamentos diferenciados de Rafael, como o hábito de organizar suas roupas por cores e a obsessão por limpeza e tarefas domésticas.
Depois que Rafael passou em segundo lugar no concurso da prefeitura de Morro Agudo, cidade do interior de São Paulo onde o casal mora, e foi contratado para trabalhar como coveiro, Silvia o convenceu a procurar médicos especializados em autismo para tirar a dúvida.
Após fazer uma bateria de testes e passar uma hora e meia conversando com o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, veio a confirmação da Síndrome de Asperger.
"Isso me libertou. Porque muita coisa fez sentido. Eu sempre gostei de andar sozinho. Na escola, eu sempre tirei nota baixa em matemática e física, mas quando precisei lidar com elas no curso de aviação, que era do meu interesse, me dei muito bem", relata ele, que não realizou o sonho de se tornar piloto de avião porque uma doença degenerativa da córnea, a ceratocone, tirou 80% de sua visão no olho esquerdo.
Essa foi apenas uma das interrupções que mudaram os rumos da jornada de Rafael. Ele também perdeu o emprego como vendedor de motos após saber que estava com câncer de testículo, em outubro de 2019.
"Apresentei o laudo médico e a empresa me mandou embora", lembra. Nesse caso, a insistência da esposa também foi essencial para que ele procurasse um oncologista e conseguisse o diagnóstico precoce, o que permitiu que Rafael se livrasse totalmente do tumor maligno após uma cirurgia para a retirada do testículo esquerdo.
Recuperado, ele conseguiu a oportunidade de se reinserir no mercado de trabalho por meio do já citado concurso da prefeitura e foi contratado como coveiro em julho de 2020. A partir daí, ele passou a ter uma rotina que descreve como torturante.
"Nós [coveiros] fizemos 80 horas extras no mês passado. E tudo por causa da covid. Para você ter uma ideia, em abril de 2018 morreram 16 pessoas aqui na cidade, já em abril de 2020 foram 48", compara Rafael. "Todo final de semana a gente trabalha, só no Dia dos Namorados que eu dei um breque e fui jantar com a minha esposa", acrescenta.
De acordo com Rafael, a cidade de 32 mil habitantes está com uma média de cinco a seis enterros por dia. Uma das experiências mais marcantes para ele foi o sepultamento de um homem de 52 anos, que perdeu a vida para a covid-19.
"Na semana anterior ele tinha enterrado o irmão, que também morreu de covid. E foi aquela gritaria, Tinha gente querendo abrir o caixão para ver se era ele mesmo", relembra.
Rafael e Silvia são pais de Davi, de um ano de idade
Arquivo pessoalApesar disso, ele afirma que gosta do emprego de coveiro por se sentir útil. E quem assiste a seus vídeos no TikTok não chega nem perto de imaginar as dificuldades de seu dia a dia.
No perfil que divide nessa rede social com Silvia desde março, chamado "Casal Neuroatípico", Rafael compartilha com quase 220 mil seguidores detalhes de sua vida, de maneira muito leve e, na maioria das vezes, com um toque de bom humor.
Ali, ele conta experiências inusitadas que viveu no trabalho, tira dúvidas dos seguidores sobre sua profissão e o autismo, além de contar detalhes da vida a dois. Ele atribui o sucesso relâmpago na rede social ao seu jeito natural.
"Nada do que eu faço ali no TikTok é premeditado. É uma coisa espontânea. Eu não tenho preparação nem técnica", afirma. "Muita gente me fala que não sabia que existia a Síndrome de Asperger. Um rapaz me contou que ficou com dúvida se ele era [autista] depois de assistir meus vídeos, procurou um médico e teve o diagnóstico", completa.